Um panorama da Literatura Marginal
Por Chardie Batista*
Uma pesquisa divulgada recentemente pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro mostra que sete entre cada dez brasileiros não leram nenhum livro em 2014. O baixo índice se repete em outras manifestações culturais como shows, teatro e cinema. Embora a triste constatação do quanto se tem lido, há um “tipo” de literatura que tem ganhado cada dia mais espaço e mais leitores, a literatura marginal.
O termo “Literatura Marginal” não vem de hoje, mas desde os anos 70, quando era usado para designar alguns poetas desta geração. Estes eram assim denominados pela crítica (os mesmos não adotaram esse termo para si), pois estavam produzindo seus textos, pinturas e afins, à margem do mercado editorial “formal”; suas obras eram distribuídas por meio de livretos mimeografados (daí surge também a denominação “Geração Mimeógrafo”), camisetas, cartoons, etc. Suas obras de conteúdo ácido crítico, com linguajar coloquial, era assim produzida de forma intencional, bem como a estilística aparentemente desleixada que apresentavam em suas edições. Sua temática principal era a vida cotidiana e a prática social da classe média da época. Estes poetas da primeira geração eram majoritariamente autores vindos da classe média do Rio de Janeiro.
Uns vem de carro, outros vem de bike, nós vem de pó
Pó…esia e só
Nos livro, nos disco, nos pino, no papel
Transformei um grupo de Rap num cartel
Era tudo que eu tinha e essa foi minha cota
Fazer folha de caderno valer mais do que folha de coca.
Renan Inquérito (Pó-esia)
No final dos anos 90 começam a pulular alguns textos vindos das periferias de São Paulo. Por volta dos anos 2000, Ferréz lança seu segundo livro, Capão Pecado, e para definir esse tipo de literatura da qual fazia parte, assim como outros autores que vinham produzindo seus textos desde o final dos 90; Ferréz se denomina “Marginal”. A “Nova Literatura Marginal”, diferente da geração de 70, agrupa autores que estavam surgindo nas periferias paulistanas e que se identificavam com essa proposta subversiva do movimento marginal. Assim como os poetas da “primeira geração”, esses novos escritores também usam uma linguagem coloquial, com palavrões, gírias, etc., ou seja, usam a linguagem falada nos bairros periféricos da grande São Paulo. Mas ao contrário da geração de 70 o tema aqui não é o cotidiano da classe média, mas o dia a dia da comunidade, da periferia urbana, mostrando os sofrimentos e conquistas da população que mora ali, uma literatura que, de certa forma, dá voz a essa população, mostra sua realidade.
Na busca por um lugar ao sol, esses artistas lançam suas obras independentemente, como é o caso do escritor Sacolinha, que publica seus livros e os vende na rua, nos bares, etc. Enquanto os poetas dos anos 70 não queriam se “filiar” a nenhum selo editorial, os novos marginais buscam sim um selo que os publique, afinal essa arte também é uma tentativa de mudar a realidade financeira em que vivem, mas que fique claro, não somente isso pois enquanto isso não acontece, eles continuam divulgando seus textos nos mais diversos meios de comunicação e divulgação: blogs, livretos, saraus, além de publicações independentes.
Essa literatura sofre um grande impulso quando o já reconhecido autor Ferréz organiza e edita vários textos para um projeto de literatura em revista intitulado “Literatura Marginal: a cultura da periferia” que é publicado de forma independente uma única vez. Ferréz passa a colaborar com a revista Caros Amigos, por meio da qual lança mais duas edições dessa antologia de literatura marginal, em 2002 e 2004.
Outras artes
Mas esse movimento literário não está sozinho nas artes. À literatura, junta-se o Hip-Hop em todas as suas linguagens, seja com o RAP, o grafite ou a dança de rua, ou seja, é um movimento que como já mencionado, dá voz à periferia, aos que estão à margem da sociedade, seja geograficamente, culturalmente e /ou economicamente.
Além do romance de Ferréz, outro livro que tem a periferia como temática também obteve uma grande aceitação do público. Cidade de Deus, de Paulo Lins, repercutiu não apenas na periferia, mas principalmente no público dos grandes centros. Com isso houve uma grande busca pela arte produzida na periferia, surgindo nesse encalço, várias produções televisivas mostrando essa realidade narrada pelos escritores marginais, como é o caso do programa “Cidade dos Homens”; o cinema também busca inspiração nesses autores e são lançados vários filmes inspirados nessas obras, tais como “Cidade de Deus” e “Carandiru”, citando os mais conhecidos.
Apesar desse “boom” de lançamentos de filmes e programas televisivos baseados na literatura e na temática marginal, o que se mostra mais relevante que isso é que esse movimento se mantém vivo (e crescente), conquistou muitos fãs, não somente pelo apelo midiático, mas por sua proximidade com o público. Por este motivo podemos afirmar que a literatura tem ganhado muito espaço entre estes leitores, leitores nascidos nas periferias, leitores que têm identificação com a temática ou leitores que tem em comum o gosto pela literatura.
Os Saraus
Uma das mais eficientes maneiras de difusão da literatura marginal se dá por meio da organização de saraus em que há uma aproximação dos leitores, a divulgação das obras e o incentivo da população à leitura e à produção de suas próprias expressões artísticas.
Democráticos, os saraus se tornam um espaço para as artes em geral, com apresentações, debates, palestras, declamação de poesias, músicas e são organizados por movimentos como a 1daSul (de Ferréz) ou a Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), organização fundada nos anos 2000 que promove desde então saraus semanais no Jardim Guarujá. O seu fundador, o escritor Sérgio Vaz, é também o responsável pela Semana de Arte Moderna da Periferia, movimento inspirado pela Semana de Arte Moderna de 1922, e por muitos outros eventos que envolvem a literatura e as artes em geral.
Além destes escritores, movimentos e cooperativas, a própria população e as escolas têm organizado diversos saraus, que atraem os jovens por falar a língua deles, assim como o rap faz em suas letras.
Evento
Reunindo algumas dessas linguagens e buscando alavancar os baixos índices de leitura, acontece em Curitiba entre os dias 27 de julho e 1º de Agosto o “Ciclo de Leitura Ebulição Marginal”. Contando com varal de rima, rodas de leitura, oficina de estêncil, sessão de graffiti e batalha de breaking.
Serviço:
Ciclo de leitura Ebulição Marginal
Data: de 27 de Julho a 1º de Agosto
Local: Regional Boqueirão
Rua Pastor Antonio Polito, 2200, Alto Boqueirão
Mais informações:
https://www.facebook.com/ebulicaomarginal
*Chardie Batista é estudante de Letras da Universidade Federal do Paraná e media ao lado da jornalista Anna Carolina Azevedo a roda de leitura “O Boqueirão é o Capão”, que acontece no dia 27/07 trabalhando com o livro “Capão Pecado”, de Ferréz, e letras de Emicida e Criolo. A roda conta também com a participação de Asiatiko MC (Batalha do MUMA), Luis Cilho (Beat Brazuca/Tiranossauro Rec) e Uni Breakers Crew.