Toda a garra de Preta Rara na festa que leva o nome de Audácia

Por Rachel Munhoz

“Mulher pode cantar rap, pode fazer o que ela quiser”. Quem fala tem propriedade para tal. Preta Rara, de 29 anos, há 10 anos luta por seu espaço no RAP e ainda leva o gênero para escola em que atua como professora há 4 anos. E para comemorar a gravação de seu primeiro CD, ainda este ano, ela traz a Festa Audácia no próximo dia 6, a partir das 23 horas, no Bar Allegra no Centro de Santos -SP. A entrada é R$10.

 A Festa Audácia integra o projeto Noites Negras – um semestre de música negra universal no Centro de Santos, com programação que vai até julho. E na semana que comemora o mês da Mulher, Preta Rara vai receber em sua festa as rappers Pamelloza e Yzalú, além do DJ residente Beto Machado. “A viagem sonora será do Rap ao Jazz, do funk soul ao Afoxé”, explica.
Pamelloza é de Santos, mas segue carreira em São Paulo. Já Yzalú, que também lança cd neste ano, nasceu na periferia de São Paulo e virá para Santos somar sua voz ao coro que, apesar de falar pela música é, acima de tudo, político. O feminismo está implícito no repertório das três cantoras que abordarão novamente o tema especialmente na semana da Mulher. “Embora as mulheres tenham conquistado autonomia e condições um pouco mais equânimes, ainda não há muito o que se comemorar neste dia, já que o machismo ainda opera em todos os aspectos da vida das mulheres, desde os padrões estéticos, a divisão do trabalho doméstico, as responsabilidades morais em relação à maternidade, entre outros”, comenta Preta Rara.

Conhecida na região como uma das maiores representantes do Rap feminino na Baixada Santista, Preta Rara conta um pouco da sua história na entrevista abaixo:

Na sua opinião, como é a cena hip hop para as mulheres? Teve algum problema com isso ao iniciar sua carreira?

PR: No início, foi muito complicado pois todo o momento eu tinha que provar aos homens porque eu estava me envolvendo com a cultura hip hop. A nossa sociedade é machista e no Rap não é diferente. Quando comecei a cantar, só usava calça larga, blusão e tênis – tudo para que prestassem atenção às minhas músicas e não no meu corpo. E mesmo assim, alguns caras ainda diziam que eu tinha que cantar funk e chamar umas meninas para dançar. Segui o exemplo de mulheres que começaram a cantar Rap no Brasil, como Sharylaine e Dina Di, que também se masculinizavam para ter mais respeito. Hoje, canto com a roupa com a qual me sinto bem, de vestido curto à saia longa, mas o machismo ainda está presente em todos os lugares.

 Quanto sua vida de rapper influencia na sua vida pessoal, com relação ao seu trabalho, família, marido?

 PR: O Rap é minha filosofia de vida, o jeito que escolhi para viver e acreditar. Não é só um ritmo, ele tem poder de influenciar as pessoas e colocá-las em profunda reflexão. É cada vez mais eficaz que um discurso e pode ser sua companhia nos dias de solidão. O Rap influencia em tudo que eu faço, toda a minha família compartilha desse gosto, meu avô de 80 anos escuta Racionais MC’s enquanto está dirigindo. Meu marido é rapper há 20 anos e foi com ele que aprendi muitas técnicas de rimas e levadas (modo de cantar rap). Sou professora de história e, no meu trabalho, uso o Rap para falar de algumas questões sociais com meus alunos, eles analisam letras e etc.

Tem alguma história interessante sobre se impor como mulher na cena hip hop?

PR: Tenho várias, mas uma delas aconteceu aqui em Santos. Fui convidada para cantar em um show bem no dia do meu aniversário, 13 de maio, mesmo assim, fui toda feliz me apresentar. Quando cheguei atrás do palco, um cidadão desinformado me barrou, dizendo que meu nome não estava na programação. Fiquei super nervosa, tinha ido direto do serviço,  foi uma correria para chegar até o evento e no final eu não teria direito de mostrar a minha arte só porque ele não estava bem informado sobre quem se apresentaria na noite? Encontrei um flyer e provei para ele que meu nome estava lá e que as pessoas me aguardavam na plateia. Consegui conquistar o meu direito ao palco, só que meu instrumental “não funcionou”. Fiz minha música à capela e o sujeito ficou me encarando, batendo palmas como se a música já tivesse acabado, mas minha voz é forte, continuei cantando. Fui muito aplaudida e isso ficou como uma lição para o cara que tentou me impedir de subir.

O que te estimulou a cantar rap?

PR:  Em 2004, me dei conta de que não conhecia nenhuma mulher que ainda cantasse rap aqui na Baixada Santista, tiveram algumas mas que desistiram. Para as mulheres é muito mais difícil, algumas engravidam, outras casam, outras dedicam sua energia para estudar e muitas desempenham jornada tripla sem ajuda do companheiro e acabam deixando o hip hop.

 Eu comecei a cantar e minhas letras sempre foram inspiradas na minha vivência e na vivência de outras mulheres. Eu falo para homens e mulheres: para elas, em busca do empoderamento e para que saibam que não estão sozinhas na caminhada; para eles, para que saibam o quanto o machismo mata e agride as mulheres do país inteiro.

Falo muito sobre racismo e faço questão de contar o que ele já fez comigo e com vários irmãos. É muito importante para mim receber mensagens de outras mulheres dizendo que minha poesia mudou seu modo de pensar, nesses momento que sinto que estou no caminho certo. E o sucesso é consequência de um bom trabalho de base, pois sucesso, para mim, não é ter destaque nacional, mas sim ver o poder de uma letra da rap mudando vidas.

Me sinto uma guerreira vencedora, valeu muito ter passado o que passei, me impondo como mulher negra e rapper para chegar até aqui. E este é só o começo.

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