ESPECIAL DIA DO DJ: KL Jay e seus filhos, uma família de DJs
No dia 9 de março é comemorado o Dia Internacional do DJ e o Portal Rap Nacional não poderia deixar passar em branco está data! Trazemos para vocês uma matéria especial com uma família de DJs, liderada pelo pai, nada mais, nada menos que um dos melhores, DJ KL Jay do Racionais MC’s. Confira:
Tal pai, tal filhos……
Filhos de KL Jay herdam o talento com as pick-ups e seguem o caminho do pai
Por Nina Fideles | Fotos Enio César
Para manter uma cultura viva é preciso que as futuras gerações conheçam, se apropriem e também tenham a capacidade de se reinventar e passar adiante este conhecimento. Kleber Simões, o DJ KL Jay, 44 anos, com certeza fez, e ainda faz, a sua parte incentivando e ensinando três dos seus sete filhos a arte da discotecagem. Mas não somente isso. Ele serve de inspiração para todos os amantes do Hip Hop por seu carisma, atenção com os fãs, ideias e lógico, seus riscos nos vinis e set lists. É, com certeza, razão pela qual a arte da discotecagem tenha deixado de ser coadjuvante e se transformado em parte essencial em qualquer show de rap. Com ele, os DJs ganharam novos mundos, novos palcos e transcenderam o estilo musical, ganhando destaques em bailes e programas de rádios. “Estamos vivos!”, é o que ele sempre diz, tendo a certeza que continua trabalhando para manter a cultura Hip Hop pulsante.
E seguir os passos do pai não tem sido tarefa fácil para os três filhos que arriscaram na profissão. É preciso fôlego e dedicação. Quando não está regendo os shows do Racionais MC’s por todo o Brasil, KL Jay organiza o “Quartz Risco e Batidas”, campeonato de DJs que teve sua segunda edição no último mês de dezembro; a tradicional festa das quintas-feiras paulistanas, o Sintonia; e prepara para 2014 o novo “KL Jay na Batida – Vol. II – No quarto sozinho”, coletânea que reúne vários nomes do Rap Nacional.
Dos filhos, DJ Will foi o primeiro a encarar o desafio. Hoje, com 26 anos, começou a tocar profissionalmente aos 15. Já esteve nos palcos com diversos nomes do Rap Nacional, hoje é DJ do Rael e compõe o time do Sintonia. Kalfani, 16, começou em 2009, “ainda um pouco indeciso”, como ele diz, e hoje é DJ do grupo Pollo. E, por fim, a iniciante Jamila, com 15, que diz ainda ter muito a praticar e aprender.
A responsabilidade de se tornar DJ tendo como pai e professor o Dj KL Jay, pesa bastante. As comparações e as cobranças vão sempre existir. Segundo Jamila, para ela, pesa ainda mais por ser mulher. Entre os prós e contras, eles constroem sua própria caminhada e expõem sua identidade. Levando os ensinamentos profissionais e espirituais do KL Jay a sério, passo a passo. “Sempre digo a eles: nunca sejam pretensiosos e arrogantes por serem meus filhos. Sejam humildes e merecedores de seus nomes, de suas carreiras. Vocês já têm o peso do meu nome, e isso não é fácil…”, ressalta.
A genética do vinil
Para KL Jay, passar a cultura adiante para seus filhos foi muito natural. “Eles cresceram num ambiente de música, festa, DJ, Hip Hop – somado a uma herança genética, de DNA e tal. Claro que passei a dar uns toques depois que percebi que eles gostavam da coisa, mas nunca os forcei a nada disso”, e continua, “o conhecimento deve ser passado a todos, não só aos filhos”.
As diferenças entre iniciar uma carreira de DJ hoje e nos tempos em que Kleber dava os primeiros passos na sua carreira são muitas. Hoje, podemos conceber a ideia de ser um profissional da discotecagem, há vinte, quinze anos, era algo inimaginável. A questão do acesso aos equipamentos, o preconceito com a cultura Hip Hop e a relação entre os próprios DJs dificultavam, como ele conta: “não tinha cartão de crédito, não se vendia equipamento usado, era difícil se envolver. A maioria dos DJs que tinham certo destaque não passavam as informações sobre músicas, os canais onde se compravam os discos. A polícia te enquadrava e não dava para dizer que você era um DJ! Nem passava pela cabeça tal resposta. Em casa, minha mãe dizia que eu tinha que ter uma profissão, o Hip Hop ainda não estava consolidado no país.” Muita coisa está diferente, principalmente com relação ao acesso ao conhecimento e equipamentos, mas na opinião dele a competição entre os DJs, a negação da informação e falta de ajuda mútua ainda existem.
Na casa do menino Kleber a mãe lhe cobrava uma “profissão”, na casa do pai Kleber, o incentivo é constante. Crescer vendo o pai tocar e ouvindo muita música fez com que eles se interessassem pelo universo do Hip Hop. “Meu pai costumava me pegar no colo e por para mexer nos toca discos. E assim fui crescendo. Meu tio Luiz (irmão de minha mãe) tinha uma coleção legal de alguns discos internacionais e nacionais e comecei a perceber que tentava fazer tudo ouvindo música. E assim fui ficando cada vez mais perto do meu pai, quando fui ver, já tava nessa”, explica Will.
Kalfani e Jamila são os mais novos, com apenas um ano de diferença. Jamila conta que quando viu o pai em ação, decidiu ser “aquilo” também e aprender a tocar Rap: “quando saíamos ele sempre colocava músicas no carro para eu ouvir e falava ‘escuta esse som loko’ e eu perguntava ‘quem é que esta cantando?’. Depois comecei a sair com ele nas festas, Sintonia, Soweto… e fui pegando gosto”. Para Kalfani o contato com as pick ups desde pequeno foi fundamental, mas o “interesse pela música foi ter nascido com a genética de um dos melhores do Brasil e isso me fez crescer com um peso na consciência de ser a evolução dele”.
Falando em evolução, a questão sobre gerações é tema constante no meio do Hip Hop. Há quem goste das inovações, das novidades, há quem não. Entre tantas opiniões e argumentos, difícil saber onde está a razão, onde falta ou sobra emoção. Kalfani, por exemplo, foi alvo de críticas por pertencer ao grupo Pollo. Mas admite que na primeira vez que ouviu o som, em 2011, não gostou e criticou publicamente no Facebook. E foi justamente este comentário que deu início a uma conversa entre Kalfani e Adriel, que perguntou porquê ele não havia gostado da música. Após ouvir as músicas novamente, Kalfani se colocou à disposição, caso o grupo estivesse precisando de um DJ. Estão juntos desde então.
Na opinião de Kleber, as diferenças enriquecem o mundo, a vida, a arte, e os motivos para tantas posições contrárias são “ignorância, mente fechada, vaidade, controle, poder. Embora o Kalfani seja meu filho, ele não é o KL Jay, ele é o Kalfani, e a vida é dele, não minha! As ambições, desejos, intenções são dele. Imagine se eu o tivesse impedido de entrar no Pollo? Ele seria meu inimigo hoje, ou teria uma puta mágoa de mim, por eu impedi-lo de ser o que ele quisesse ser. Infelizmente, muitos pais continuam a ter esse comportamento que vem dos avós, bisavós, e por aí vai. É um circulo vicioso que aprisiona a maioria da população do planeta”, conclui.
Conviver com os filhos e compartilhar informações da profissão faz com que tanto Kleber quanto seus filhos consigam ter uma noção mais ampla do debate, e necessariamente, os torne mais flexíveis. Assim como todo estilo musical, toda cultura e costume, o Hip Hop perpassa novas e diferentes gerações, e isso acarreta mudanças, boas ou não. Na opinião de Will, “a velha escola viveu uma época totalmente diferente da nova escola. Tecnologia, timbres, criatividades… Mas nova escola será uma velha escola também. Acredito que cada um precisa saber qual caminho quer seguir ao fazer isso. O que você quer mostrar com seu som, o que você quer atingir, saber aonde está entrando. Muitos querem fazer Rap mas não sabem o que é Hip Hop. Respeito e educação cultural é a chave de tudo”.
DJ KL JAY
Em 1987, Kleber Simões realizava bailes em residências na zona norte de São Paulo, junto com o seu até hoje parceiro de grupo Edi Rock. Tape deck, fitas cassetes e alguns vinis eram os meios que faziam com que as festas seguissem as madrugadas nas vizinhanças. Inspirado por um vídeo com o desempenho do DJ Cash Money, se identificou e descobriu a arte dos toca-discos. Mas foi em Santo André que teve a certeza de qual caminho seguir, presenciando os scratches do DJ Easy Lee com o rapper Kool Moe Dee, em um show no Club House em Santo Andre.
Em 1989 um marco na história do Rap Nacional: Racionais MCs. E desde então diversos projetos marcaram sua trajetória como a 4P, fundada junto com o rapper Xis, e que mais tarde se tornaria uma produtora de eventos e marca de roupas. Os CDs solo “Na Batida – Volume III – Equilíbrio, a busca” e “Fita Mixada Rotação 33. Assim como, por dez anos, organizou o campeonato de DJs, Hip Hop DJ. KL Jay também foi apresentador do Yo MTV Raps e DJ residente nas conhecidas festas Soweto, Clube do Rap e há onze anos do Sintonia.
Ser DJ nas palavras de Kleber é “comandar uma nave que deve proporcionar a melhor viagem possível aos passageiros e tripulantes, fazer as pessoas – que estão na pista de dança, ouvindo o rádio em casa, dirigindo, etc – irem para outro lugar, voltar no tempo, sonhar, chorar, sorrir, essas coisas”.
DJ WILL
William Nascimento Simões, o DJ Will, começou sua carreira profissional aos 15 anos. Fez algumas aberturas no Hip Hop DJ e depois chegou a competir em outras edições, ficando entre os cinco melhores em 2004. Enquanto começava tocando em festas de Hip Hop na cidade de São Paulo, iniciava também o grupo Simples, junto com Kamau, Sthefani, Diego Beatbox e Henrick Fuentes. Durante um ano e meio acompanhou Marcelo D2 na turnê do show “Meu Samba é Assim”. Há cinco anos compõe o time da festa Sintonia e já participou de shows junto com Criolo, M.Sário (Pentágono), Racionais MC´s e Rael, onde está até hoje. O primeiro CD de DJ Will esta em fase de produção.
DJ KALFANI
Com 16 anos, Kalfani se apresentou publicamente pela primeira vez na primeira edição da festa “O futuro do Hip Hop”, realizada na Livraria da Esquina e organizada pela DJ Vivian Marques, no ano de 2009. Estava meio indeciso, como ele diz, mas “sinais foram me guiando para o caminho certo”.
Desde sua estreia, tocou em casas e festas de expressão em São Paulo. Dividiu os palcos com Flow MC no ano de 2011 e desde 2012 integra o grupo Pollo. “Nesse começo aprendi muitas coisas que mudaram a minha vida e uma delas é a verdade da vida. Aprendi a valorizar mais as coisas, os momentos bons e sei que nada pode dar errado. Graças a Deus tudo está ocorrendo como planejado. Em 2014 tem disco novo”, conta.
DJ Kalfani navega por todas as vertentes da música negra, dentre elas: o Rap Nacional e internacional, Underground, R&B, Funk Music, Soul, Old School RAP, Samba e Samba Rock.
DJ JAMILA
Jamila sabe que os desafios que a esperam são grandes. Não apenas para se apropriar da técnica da discotecagem, mas também por ser mulher. Com 15 anos, ela inicia sua história no cenário. Conta que tem muito ainda o que aprender, mas já afirma que quer ser bem sucedida como seu pai e seus irmãos. Ainda vamos ouvir falar muito deste nome.
O Ser KL Jay
Kleber é um cara de muitos gostos. Curte música de variados estilos, na pista não toca apenas Rap, pensa em abrir um restaurante vegetariano, ter uma frota de carros, é adepto da acupuntura e por aí vai. Quem teve a oportunidade de assistir aos programas Yo! MTV Raps deve se lembrar dos seus discursos e opiniões. O mais famoso deles foi no programa especial sobre o dia da consciência negra, disponível no Youtube. Com este vasto leque de interesses e habilidades, como dizer que não há muito que aprender com ele?
Em recente entrevista à Revista Rolling Stone, KL Jay é tido como o mais radical, entre o próprio grupo. Disse que não iria a programas como o Esquenta e critica a “mentalidade racista e preconceituosa da Rede Globo”. Sobra também para os apresentadores Luciano Huck e Regina Casé. “Apenas dei minha opinião sincera, o que acredito realmente. Quero ser verdadeiro, ser eu mesmo, não só para os meus filhos, para todo mundo. Com a verdade você concilia tudo chapa”, defende.
Com os pés no chão, a língua afiada e um pensamento sonhador, KL Jay acredita na força do Hip Hop e no potencial de ainda anônimos, por isso suas mixtapes e coletâneas reúnem sempre um time diversificado. Na opinião do Will, ele é “O pai do Hip Hop! O que acredita desde sempre, que ajudou muitas pessoas a progredir, a acreditar no sonho, a sonhar e realizar cada vez mais. Ele cuida do Hip Hop assim como o Hip Hop cuida dele! Jovem, atualizado, com essência e magia própria, que está cada vez mais forte e resistente! Vivo!”.
Mesmo mantendo sua prática atualizada, KL Jay demonstrou certa resistência, por exemplo, quando a tecnologia do Serato foi inserida e divulgada no Brasil. “Resisti por ignorância, vaidade, poder. Supervalorizei a ideia de tocar só com vinil, para passar uma liderança, uma ideologia, enquanto ia ficando para trás, porque várias músicas já estavam sendo lançadas somente em CD ou MP3 e DJs como King e Cia já estavam usando o Serato e tocando muito. O Brown ajudou a abrir minha mente também. Hoje toco com Serato e vinil”.
E seus filhos são unânimes quando falam sobre a atuação de DJ KL Jay nos palcos, mas Jamila resume: “Ele é o melhor DJ do mundo!”. Ser um DJ de baile bem sucedido e DJ do grupo de Rap Nacional mais importante no Brasil, tem suas diferenças. “No baile eu sou o piloto de Fórmula 1, e no Racionais eu sou o goleiro, tenho que sair jogando com eles e não posso tomar gol, responsa monstra”, explica, demonstrando também ser muito bom em analogias.
E mesmo após mais de dez anos sem lançar disco, o Racionais MC’s segue com uma agenda lotada de shows por todo o Brasil, continuam fortes e vivos e cada um consolidando cada vez mais os projetos solos. Ao ser perguntado pelo tão esperado novo disco do Racionais, KL Jay é categórico: “Racionais é segredo de Estado chapa!”.
E as ruas continuam olhando. Segundo KL Jay, olhando e buscando a verdade.
* Matéria originalmente publicada na Revista Rap Nacional N°8