Discografia do Planet Hemp chega às plataformas digitais

Sony Music disponibiliza álbuns da banda para streaming e download

A Sony Music lançou hoje nas plataformas digitais os três álbuns de estúdio da carreira do grupo de rap-rock Planet Hemp. Disponíveis pela primeira vez para streaming e download, “Usuário”, “Os Cães Ladram Mas A Caravana Não Pára” e “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” foram lançados originalmente entre 1995 e 2000 e incluíram hits como “Legalize Já”, “Queimando Tudo” e “Ex-Quadrilha da Fumaça”. Os trabalhos de estúdio da banda se juntam ao álbum “MTV Ao Vivo: Planet Hemp”, de 2001, que chegou ao digital em novembro.

Formado em 1993, o Planet Hemp é um dos nomes mais celebrados da cena brasileira, marcado por discursos de cunho social e o posicionamento favorável à legalização da maconha. O grupo apresentou artistas como Marcelo D2, BNegão, Black Alien e Apollo 9 e chegou a conquistar quatro discos de ouro com seus trabalhos ao vivo e em estúdio.

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Planet Hemp por Carlos Albuquerque:

No começo dos anos 90, havia sinais de fumaça nas ruas do Rio de Janeiro.  Faltava descobrir onde estava o fogo. No dia 17 de outubro de 93, em reportagem nas páginas do Rio Fanzine, no jornal O Globo, Tom Leão apontou a origem: era o Planet Hemp, “grupo de rap-rock, que, além de “temas sociais”, levantava, de forma pioneira, “a bandeira da legalização da maconha”. Aquela foi a primeira reportagem sobre o grupo, que definia seu som como “uma fumaça sonora” e que sequer fita-demo tinha.

Mais de vinte anos depois, tal formato de divulgação deixou de existir, engolido pelos avanços da tecnologia, mas o som do Planet continua atual e relevante – como provam seus três primeiros álbuns, “Usuário” (1995), “Os cães ladram, mas a caravana não pára” (1997) e “A invasão do sagaz homem fumaça” (2000), relançados agora nas plataformas digitais pela Sony Music.

Lançado pelo selo SuperDemo, da produtora Elza Cohen, “Usuário” foi o primeiro a consolidar um formato musical que, naquela época, estava solto no ar e saía pelas bocas dos freqüentadores da Lapa, no Centro do Rio, e das pistas de skate da cidade. Em suas 17 faixas, o Planet – então formado por Marcelo D2 (vocais), Rafael Crespo (guitarra), Formigão (baixo) e Bacalhau (bateria) – conseguiu unir pontas de hardcore, rap e ragga, sob as benções de Jorge Ben Jor, Cypress Hill, De Falla, Beastie Boys, Bezerra da Silva e Peter Tosh (sampleado em “Legalize já”).

E se o barulho vinha quente, o discurso chegava fervendo. As letras de “Usuário” – dedicado ao rapper Skunk, um dos fundadores do grupo, morto em 1994 – cuspiam contra a brutalidade policial (“Porcos fardados”), a desigualdade social (“Futuro do país”) e o racismo (“Muthafuckin´ racists”), ocasionalmente tropeçando no trato com as mulheres (“P… disfarçada”). Acima de tudo, porém, elas faziam anéis de fumaça em torno de um tema, então considerado maldito, como a descriminalização da maconha (“Não compre, plante”, “Mary Jane” e “Fazendo a cabeça”). Um alerta de confrontos futuros veio com a censura ao vídeo de “Legalize já” – gravado na Sinuca Arcos da Lapa, palco da festa Zoeira e epicentro da cultura hip-hop no Rio -, que foi proibido de ser exibido na televisão antes das 23h. Mesmo assim, ou por causa disso, “Usuário” vendeu cerca de 140 mil discos, dando ao Planet um inesperado Disco de Ouro.

Mas o preço completo dessa ousada postura foi cobrado, com juros, no segundo álbum, “Os cães ladram, mas a caravana não pára”, dessa vez lançado pelo selo Chaos. Com o Planet em transição – B Negão passava o microfone para Gustavo Black Alien -, o álbum foi gravado na companhia do produtor Mario Caldato Jr., que já havia trabalhado com os Beastie Boys.  O reforço de luxo serviu para engrossar o som da banda – agora contando com as participações especiais do DJ Zé Gonzales e do tecladista Apollo 9 – que evoluiu sem perder a essência.

Novamente combinando distorção com suingue, o grupo fez rimas com citação à chacina da Candelária (“Zerovinteum”, com participação de Fernanda Abreu), crítica às gangues do futebol (“Paga pau”) e homenagem à chapadíssima dupla Cheech & Chong (“Queimando tudo”). No começo da turnê de divulgação de “Os cães ladram, mas a caravana não pára”, a onda do Planet – já bastante visado – bateu, definitivamente, mal com as autoridades. Durante um show em Brasília, seus integrantes foram presos, por suposta apologia às drogas. O fato só serviu para aumentar a popularidade da banda e chamar a atenção para o seu desafiador discurso. Ironicamente, alguns anos depois, o juiz responsável pelo “enquadramento” do Planet foi afastado do cargo, acusado de receber propina para liberar um traficante.

Com D2 começando a investir na carreira solo, o terceiro e derradeiro álbum do Planet tardou a chegar, mas não falhou.  Considerado por muitos o seu melhor trabalho, “A invasão do sagaz homem fumaça” – novamente produzido por Caldato, junto com David Corcos e DZ Cuts – aprofundou ainda mais o mix hardcore-hip-hop, dando-se ao luxo de adicionar ao caldeirão tanto a harpa de Cristina Braga como o sample de Marcos Valle (inserido em “Contexto”).  “Ninguém leva o meu pensamento em vão/Ninguém tira o microfone da minha mão”, bradava D2 na faixa de abertura, “12 com dezoito”. No hit “Ex-quadrilha da fumaça”, ele completava: “Adivinhe doutor quem está de novo na praça/Planet Hemp, ex-quadrilha da fumaça”. No encerramento do álbum, em tom de reggae, com a participação de Seu Jorge, o resumo da história de um grupo que não apenas influenciou uma geração de artistas posteriores, mas também antecipou uma discussão hoje considerada fundamental para a redução da criminalidade em todo o mundo. “Eu tô de pé, pupilas dilatadas, chapado, mas eu sou sagaz/A vida é dura, eu sei, mas tudo bem. Eu sou capaz”.

 

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