Clipe “Eu Só Peço a Deus” do Inquérito questiona escravidão e racismo
Curta com direção de Levi Vatavuk e roteiro de Vinícius Vitti foi gravado em fazenda em Minas Gerais
Pouco mais de um ano depois de apresentar ao público o disco Corpo e Alma, o grupo de rap Inquérito lança o clipe da música “Eu Só Peço a Deus”, que compõe o álbum. O curta de pouco mais de 5 minutos revisita um período histórico do Brasil e traça um paralelo entre a escravidão de 1850 e a atual.
O clipe dirigido por Levi Vatavuk, que também assinou o roteiro ao lado de Vinícius Vitti e teve a produção da Dogs Can Fly se passa durante o período da escravidão e apresenta a fuga de um escravo, a luta dos escravizados pela sobrevivência e a violência e as humilhações a que eles eram submetidos. O filme se em Minas Gerais e casa as imagens com a música, a fim de colocar o dedo na ferida e expor as atrocidades cometidas contra os seres humanos.
Para o líder do grupo, Renan Inquérito, o curta é parte de uma reflexão. “Queremos questionar o que mudou de 1850 para 2015. Quando você vê um homem de pele negra sendo açoitado por um capitão do mato, o que isso te faz pensar? A polícia, com seus coturnos pretos, mata igualmente nas periferias. E quem morre é a juventude negra do Brasil. Quando discute-se reduzir a maioridade penal, fecham-se escolas, constroem-se presídios, estão nos obrigando a uma escravidão consentida, a ficar na senzala, a viver das migalhas do homem branco e o clipe vem pra mostrar que tiramos a venda que nos cega. Que não vamos aceitar e que vamos usar a arte para denunciar o racismo e a violência”, destacou.
“Eu Só Peço a Deus”
A canção, com sample de Cássia Eller, compõe o álbum ‘Corpo e Alma’ e a direção de Levi Vatavuk, que em 2013 já dirigiu o premiado “Meu Super Herói”, também do Inquérito, dão o tom na narrativa.
“A ideia era não sermos literais a letra da musica, mas ao mesmo tempo tínhamos a responsabilidade de criar uma historia que seguisse o peso que a musica precisa, então irmos para um acontecimento passado em que a luta e a vontade de viver eram constantes foi a melhor opção para criamos uma relação de peso entre imagem e som”, disse o diretor, que também ajudou na elaboração do roteiro.
Para ele, a identificação do roteiro com a música se deu quando houve a percepção de que poderiam falar de um passado tão próximo e que deixou tantas cicatrizes a partir de um som bastante atual. ‘Vivemos que cabia perfeitamente no peso da letra e na melodia robusta que a música tem. É muito doloroso saber que o homem teve e tem a capacidade de diferenciar as pessoas pela cor da pele ou pela condição social em que ela esta posicionada, então, quando exploramos estas questões vemos que precisamos de muita luta ainda para acabar de vez com o preconceito racial”, acrescentou Vatavuk.
A produção contou com o envolvimento de mais de 30 pessoas, entre atores profissionais e moradores da comunidade, os quais deram vida às personagens do roteiro, focado na fuga de um escravo em luta pela sobrevivência.
Para o ator Ricardo Gonzaga, que viveu o escravo que libertou os seus iguais, participar da produção, o foco nas cenas foi composto com veracidade, para além de um ‘roteiro de época’.
“A gente estava tão focado em discutir historicamente as estruturas e formas para se obter o lucro no Brasil, que não me vinha muito a questão de ser um “roteiro de época”. Porque a discussão pra gente era muito moderna, é moderna. O massacre humano e cultural, que foi o sistema escravocrata brasileiro, aconteceu num período, mas justamente pela dimensão da sua brutalidade e conservação de certos princípios, ele jamais vai poder ficar contido a só esse determinado momento histórico, já que ainda hoje existe trabalho escravo no Brasil, por exemplo. Veja que não faz nem cinco anos que as empregadas domésticas conseguiram ser equiparadas a um trabalhador comum. Nós estávamos falando do todo, e, nesse todo nosso histórico, nós afrodescendentes somos a mão de obra muito mal paga e desrespeitada”, considerou.
Inquérito de Corpo e Alma
O disco lançado em outubro de 2014 tem participação de Arnaldo Antunes e do rapper Emicida, também produtor executivo, além de KL Djay, Rael, Ellen Oléria e Alexandra Carlo. O álbum também traz uma emocionante homenagem à poeta Carolina Maria de Jesus (Rosa do Morro) e a Martin Luther King (Sonhos), duas figuras marcantes que combateram o preconceito racial.
O álbum marcou os 15 anos do grupo Inquérito, conhecido por fazer música com propósito de transformação e interferência social. O líder Renan é MC, compositor, professor e dá oficinas de literatura com letras de rap em escolas e unidades da Fundação Casa, além de fazer a Parada Poética no interior de São Paulo há quase três anos e levá-la a outros espaços e estados.
O disco pode ser comprado (R$ 9,99) ou baixado de graça diretamente do site do artista (www.grupoinquerito.com.br)