Artigo: Meu testemunho – Por Ferréz
Por Ferréz*
Quando tinha uns 14 pra 15 anos, estava muito desolado, e um dia um amigo aqui da quebrada o Ronaldo tinha dito que foi pra uma igreja, onde o pastor era mó gente fina, além de ter umas coisas para comer. E nessa época pode apostar que isso contava muito.
Quem convidou ele foi o Tuca, outro amigo, que tinha uma família muito grande e também morava na Travessa Santiago, beirando o córrego.
Naquela época os moleques pixavam, F.B.R, (favela beira rio), pois todos nós morávamos beirando o córrego.
Toda sexta eles insistiam, e num domingo, mesmo com preguiça por causa da lonjura, fui com eles. Cheguei na subida do Capão, numa igreja que parecia uma sala comprida, com vários bancos de madeira, do lado dos bancos tinha um monte de madeira cobrindo algo, era um buraco com água e servia para batizar os novos membros da igreja.
Bom, antes do culto, o pastor apareceu, um homem negro, alto, chamado Bonifácio.
Eu nunca mais ia esquecer do tanto de conversa boa que aquele homem tinha, ele levava agente pro quintal e conversava durante horas, depois ia cuidar da tia da esposa dele, que vivia numa cadeira de rodas.
O mais notável era que Bonifácio era um líder nato, muitos seguiam tudo que ele falava, só que ele não aspirava a isso, estava sempre servindo em vez de ser servido.
Começamos a ir lá de dia também, e num desses dias, enquanto ele arrumava os pares de uns sapatos que tinha ganhado de doação, ele perguntou o que eu gostava. – Livros e gibis. Respondi.
Dois dias depois, fui no quintal que era ao lado da igreja, onde ele preparava junto com sua esposa Anah, os hot-dogs e chás para vender no dia do culto, era assim que ele completava a renda para a igreja. Nesse dia ele me olhou e falou que fez algo pra mim, qual não foi minha surpresa quando ele trouxe uma estante de um metro de altura, feita com madeiras usadas, com duas divisões, e disse que era para por meus livros.
Eu olhei admirado para aquelas madeiras, cada uma de um modelo diferente, e que juntas formavam minha primeira estante. Agradeci e junto com o Ronaldo trouxe para casa.
Passaram-se 20 anos e ela está aqui do meu lado.
O pastor eu vi algumas vezes nessa caminhada, sempre andando com sacolas com doações, sempre preocupado em ajudar os outros.
Em suas pregações, sempre dizia que para estar perto da salvação, tínhamos que ajudar o próximo, nunca ouvi falando contra o homossexualismo, nunca ouvi comentando nada de outra religião, e na hora do dízimo, quase no final do culto, se falava uma vez só sobre a doação.
Recentimente fui na casa dele, a casa está bem menor, pois ele vendeu o terreno do lado, uma igreja católica comprou.
Os móveis são os mesmos, e até seu quarto com o pano que divide os cômodos parece o mesmo.
Sua esposa me serviu um café, e eu contei que aquele menino pra quem ele tinha dado a estante, hoje era um escritor, e que a seu exemplo também montei um lugar para as crianças irem, ele claro me perguntou se eu havia me batizado, eu fugi do assunto e logo ele recitou um salmo de que era urgente o tempo de se batizar.
O Sr. Bonifácio tem hoje 87 anos, ele é o único homem fora meu pai pra quem eu peço benção beijando a mão.
Diferente de alguns outros pastores, que tem tantos canais, rádios, jornais, o Bonifácio ficou pra servir o próximo, não correu pelo dinheiro, mas sim pela retidão das palavras que ele sempre pregou, ou seja era de fato um pastor.
Recentemente ele foi diagnosticado com câncer, e numa visita vi ele muito debilitado, de cama, já quase sem falar.
Agora, dois meses depois, ele estava de pé, e veio até a porta me abraçar, perguntei se ele havia melhorado.
“Entreguei na mão de Deus, e disse, se o senhor tiver missão pra mim, então eu vivo, se não então pode me levar”.
Muitos dos meus livros são críticos a religião, e senti a necessidade de mostrar esse lado, um lado raro, mas real e intenso.
Acho que a missão dele continuará, pois tem que haver uma balança e gente pendendo do lado bom.
Do meu lado, eu posso dizer, quando alguém perguntar se creio em milagres.
Claro, eu vi um e agora no linguajar evangélico tenho que dar meu pequeno testemunho.
* Ferréz é escritor e colunista do Portal Rap Nacional