Mano Brown: Mil Faces de um homem leal

Confira uma entrevista exclusiva feita pela Revista Rap Nacional com o líder do Racionais MC’s, Mano Brown. São mais de 50 perguntas para você conhecer um pouco mais as opiniões do homem que revolucionou o rap no Brasil.  A entrevista foi veiculada na edição n° 6 e agora você confere aqui no Portal Rap Nacional 

Texto: Toni C | Entrevista: Mandrake e Toni C | Fotos: Márcio Salata/Revista Rap Nacional

Um dia feliz é raro, também é raro entrevistar com exclusividade o líder do Racionais MC’s, Mano Brown.  A equipe da revista RAP NACIONAL obteve as duas coisas de só uma vez. “Aceitei por que vi a caminhada, acho que vocês estão na mesma direção, na mesma luta”, foi a resposta de Mano Brown quando questionado porque aceitou conceder a entrevista.

Às vésperas do feriado da independência, o lugar escolhido para o encontro foi a sede do Periferia Ativa, uma das ações que Mano Brown respalda e é mantida pelo grupo Negredo, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. 

Fomos recepcionados por Ylsão, do grupo Negredo. Ele nos apresentou a sede e outros espaços que a organização mantém na comunidade, com direito a oficinas, biblioteca e a mina dos olhos de todos, o estúdio. “Foi dessa MPC que saiu Jesus Chorou”, comentou Ylsão ao apresentar orgulhoso o equipamento mágico.  

Conversamos sobre grupos de RAP,  atitude, autogestão e a aproximação com a Nike. “Eles queriam instalar lojas da Nike aqui dentro da favela. Dissemos que não”, explicou o líder do Negredo, que também falou sobre a parceria que passaram a desenvolver com a marca esportiva para a confecção de camisetas exclusivas do time Capão Futebol Clube, com renda revertida para as ONGs Periferia Ativa e Apeas.

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Quem vem lá?

A conversa cessou e tudo ao redor se transformou assim que Mano Brown, entrou na sala com andar decidido.  “Desculpa o atraso”, foi tudo o que disse antes de se dirigir a cada um com um breve comprimento.

Para aproveitar a luz do dia iniciamos pela sessão de fotos. A tarde fria e nublada não foi o suficiente para impedir brilhantes imagens. De volta ao estúdio, tomamos acento para dar ignição na entrevista com Brown. Ele comentou que não dormiu a noite, imaginem a nossa equipe? Nós em um só tempo realizamos a entrevista de capa da edição de um ano e o sonho antigo de fãs. 

Minucioso e atento as tendência, Pedro Paulo Soares Pereira, mais conhecido como Mano Brown, se mostra em plena forma. A bombeta onde se lê:  “Brooklyn”,  cobriram quase todo o tempo o corte moicano. Os óculos de grau dão um ar Cult, a este visionário que se apresenta como o mais novo da nova cena.

Odiado por uns, amado por uma legião. O que realmente parece improvável é ser indiferente ao maior rapper brasileiro de todos os tempos.  “Mente do Vilão” é o nome da música em conjunto com a banda Black Rio, que agora ganha videoclipe. Mas é também a maneira de raciocinar de quem pensa por uma grande vila, um povo, um nação.  Um Mano Brown 2.0 vê a sí mesmo como um lutador. Incansável, em se metamorfosear para continuar atual e ser o sujeito de uma revolução permanente. 





Mano Brown em construção 

Música, política, mártires, mito, tecnologia e tendências., foram temas que passaram por nossa conversa. O velho Mano Brown está de volta, atual como sempre. Se você pensa que já conhecia tudo sobre o maior ídolo da juventude pobre, preta e periférica, é bom ficar atento pelo o que está por vir. 

Torcedor do Peixe, cachorro loko da sul, taurino nos zodíacos, é no rei das selvas o animal em que ele se reconhece. “Vai segurar um leão num quintalzinho como?” O líder do Racionais MC’s  fala de um novo Brasil, do qual ele ajudou a impulsionar. Mas Brown adverte aqueles que acham que o RAP fez as pazes com o sistema. “O embargo não acabou!”. Outra coisa que permanece é seu sonho, o mesmo entoado há mais de uma década… “Ter um terreno no mato só seu”.

Depois de conversarmos por mais de duas horas, Mano Brown assim como chegou se despediu e foi para o próximo compromisso. Mas cada momento desta entrevista continua cravado nas fotografias de Márcio Salata, nas imagens em vídeo registradas por Vras 77, no fundo da memória de Elaine Mafra, Paula Farias, Mandrake, Toni C. e nas páginas que segue.

Alguns dias depois o Racionais MC’s realizou o show de encerramento do VMB 2012, onde cumpriu o prometido: “Boladão e Pesadão”. Apresentados pelo craque Neymar, transmitido ao vivo pela televisão e com participação de Seu Jorge. O grupo faturou o troféu cão de ouro, na categoria Videoclipe do Ano, com Marighella e Mano Brown confirmou sua plena forma.

Sente a entrevista e boa leitura!

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1 – Na letra de Capítulo 4, Versículo 3, você cantou: “Talvez eu seja um sábio, um anjo, um sádico”. Como você se define hoje?
Mano Brown: Lutador!

2 – Estivemos com Kl Jay e ele pareceu bem otimista em relação ao lançamento do próximo disco do Racionais MC’s. Você também está otimista?
Mano Brown: Eu também estou otimista. O Brasil vive um momento novo e nós temos que saber atuar em cima desse momento. Está sobrando um pouco mais de dinheiro, a informação está chegando mais rápido. Estamos podendo usar a tecnologia a nosso favor. Isso era muito restrito há dez anos. Em 2000, por exemplo, era uma outra realidade. Não estou dizendo que está um país de primeiro mundo, continua um país de terceiro mundo. Mas até mesmo esses grupos que estão aparecendo bastante na mídia agora estão mostrando esse outro caminho da evolução, ou não. Quem sabe não seja tão evoluído assim, somente uma continuidade. Tô otimista!

3 – Você esta no seu melhor momento?
Mano Brown: Não sei dizer. Eu sempre tive muitos altos e baixos. Agora eu estou mais velho… Mas posso dizer sim que estou no meu melhor momento.

4 – Quantos anos você tem agora?
Mano Brown: Quarenta e quatro.

5 – O que você gosta de ouvir?
Mano Brown: No momento eu estou ouvindo muito Leon Ware, que foi produtor, amigo, parceiro de composição, de arranjo, de Marvin Gaye, de Michael. Conversamos com ele um dia desses via Skype, ele mora em Los Angeles. Ele me chamou de Mano e tal. Estava eu e mais uns parceiros e nós falamos o que achamos dele. Pretendemos futuramente trazê-lo para o Brasil para interagir com ele, trazer essa experiência para cá. É um monstro sagrado, apesar de anônimo, e nós sabemos que o cara está vivo. É uma continuação daqueles caras da Motown. O contato foi feito através de uma produtora amiga nossa. Ela que conseguiu achar o cara na internet. Isso que eu falo do novo momento. Antes era praticamente impossível falar com um ídolo seu pelo Skype. Eu ouço música sempre, Marvin Gaye, Jorge Ben.  Por mais que eu pareça ser um cara radical, eu não tenho tantas restrições a música. Eu ouço desde Rock Inglês, não que seja a minha preferência, até um Fundo de Quintal, música de Catedral de Igreja. Até o próprio Marvin, quando foi se tratar do vício, foi para a Bélgica e lá teve contato com essas músicas das catedrais. Ele era um cara de Igreja Batista, mas conheceu a música Católica. Ele foi para uma cidade da Bélgica que era muito antiga, com construções antigas, então ele respirou aquela brisa e conseguiu fazer Soul com influência de música de castelo medieval inglês. Isso funciona também na minha música. Eu não fico restrito a dois, três estilos musicais, ou de cantores. Os caras têm uma ideia relacionada à minha pessoa não tão verdadeira. Para que convivem comigo eu mostro muita música louca e digo para não dar risada. Teve uma época em que eu colocava Marvin, discoteca, e eles davam risada. Hoje você vê que no mundo da música está sempre passando por essas pessoas, é um ciclo, Isaac Reis, James Brown, estão sempre voltando. Estamos de novo no ciclo. Ouço RAP americano também, Rick Ross, Dani Brown, Snoop, Tupac sempre. É uma inspiração quase espiritual.

6 – E o que você não ouve?
Mano Brown: O que eu não ouço é difícil. Música sertaneja eu não ouço. [Nem de raiz?] Minha raiz é urbana. Apesar de a minha família ser do interior da Bahia, a minha raiz é São Paulo, é grande centro. Música sertaneja para mim é para acordar 5h da manhã no frio. Não tenho boas lembranças. Também não quero que ninguém me odeie porque eu falei que não gosto de sertanejo. Tem que ser transparente.

7 – Qual é a sua rotina de trabalho? Você é metódico?
Mano Brown: Eu sou metódico. Eu vou todo dia para um lugar para me reunir com os meus companheiros de composição e falarmos sobre música, possibilidades, o que queremos desenhar para o futuro e o que achamos que pode ser. Para brisar também, porque nós criamos muito mais do que criávamos antes. Antigamente, só tínhamos referência dos norte-americanos, hoje em dia nós criamos muita coisa indiferente deles. Um lance que eu acho legal é que o RAP que eu faço, porque eu tenho que falar por mim, é que eu dou uma cara de São Paulo, de periferia, de zona sul de São Paulo. Eu gosto quando as pessoas ouvem minha música e conseguem imaginar minha quebrada. Gosto que eles imaginem as ruas, os camaradas, as roupas. Eu procuro fazer um RAP com cara de original, por mais que seja uma influência estrangeira, americana, jamaicana, de raiz africana, eu tento dar uma cara de São Paulo para as músicas.

8 – E o seu método de trabalho?
Mano Brown: Meu método é todo dia sair num horário, encontrar meus parceiros, debater. Nós também discordamos de muita coisa. É um lugar que eu vou e fico 8h por dia, é trabalho. Tem também momento de inspiração, mas eu tenho que insistir ali, eu tenho que focar na ideia. Não é uma coisa que eu sou iluminado por Deus e toda hora ele fala: Vai lá, Brown. Não é só inspiração.

9 – O que vem primeiro? Letra, música ou batida?
Mano Brown: Primeiro a música, depois o tema, a batida e depois a letra.

10 – Não entendi por que o tema primeiro?
Mano Brown: Primeiro vem o clima que eu quero, aí sim vem a inspiração. Uma música que me inspire a falar sobre determinado assunto. Uma característica minha é que a música sempre nasce com o título antes. Eu não faço a letra e depois coloco um nome qualquer. Eu já faço com nome. É a forma que eu trabalho, é o meu método.

11 – Já aconteceu de você acordar com a ideia de uma música?
Mano Brown: Eu já sonhei com música pronta. Jorge da Capadócia foi uma. Eu sonhei o Jorge Ben cantando em cima do som do Isaac Reis. Eu acordei e fui para a casa do Marquinhos, o Borracha, e ele fez um loop em fita cassete e nós começamos a cantar. Era um som esquecido já do Jorge Ben, era dos anos 70 e até teve umas regravações, mas a periferia não estava cantando, porque pessoas que não são do nosso universo já tinham cantando, mas de um jeito diferente.  E é uma música que, na minha opinião, é quase uma oração. Apesar de que eu não sou um servidor de São Jorge, nem de Ogun. Não é a minha. Eu não dou direção religiosa para ninguém. Não mais. Já até fiz, mas considero um erro. E nós fizemos o som e virou.  Eu sonho coisas boas, eu vivo música, eu como e bebo música.

12 – DJ Cia, Dexter, Lino Krizz? Afinal, qual é a formação do Racionais hoje?
Mano Brown: O Racionais é um milhão de pessoas, já não tem uma formação oficial. Não pertence mais aos quatro. Eu já falei para os caras do grupo, os caras que curtem Racionais dão tanto palpite que já é mais deles do que meu. Eu já falo: “Canta aí que eu vou fazer outras coisas”. Eu admito que não é mais meu e não tem problema. Não era para ser meu mesmo, era para ser da massa, do nosso povo. E hoje eles opinam, dão direção, dizem que roupa e que  letra é boa.

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13 – Você se sente confortável com a sua posição no Racionais MC’s?
Mano Brown: O excesso de questionamentos, que na minha forma de ver, são ultrapassados me incomoda. Assim como achar que Racionais está preso a dois temas de músicas e  tem que ser isso ou aquilo. Para quem não sabe o Racionais sempre foi um grupo que prezou muito pela liberdade de escolha, de ritmo, de som, de roupa, de capa, de nome de disco. Eu sempre gostei de ir ao sentido contrário do que as pessoas queriam, para surpreender. Quando as pessoas falam, “vai ser isso”, me desanima. “Tem que ser isso”, não gosto. Se fosse para estar preso em alguma coisa eu não estava no RAP. Não gosto que façam do Racionais um instrumento para determinadas causas, eu acho que o Racionais é para todas as causas, todas as injustiças. Não pode ser direcionada.

O disco que todo mundo achava que era ‘pá’ era o disco da cruz, o “Sobrevivendo no Inferno”. Já na época do disco eu achava aquilo defasado para a época e um ano depois que o disco tinha saído eu já havia enjoado. Tava todo mundo fazendo igual. Então decidi fazer uma capa azul clarinha, carro verde. Quero ver quem tira o peso das minhas músicas por causa de uma capa. E foi o disco que trouxe mais repercussão em todos os aspectos e toca até hoje. Toca tanto que me atrapalha e não me enjôo. Ele deu abertura para outras ideias, outros grupos, outras propostas de som. Aquele disco da cruz era muito fechado. E de certa forma ele limitou um pouco, ele não era um disco livre. Era livre pra mim quando eu compus. Depois que saiu virou uma prisão, uma obrigação, virou regra. E eu não gosto de regras. A gente tem que quebrar regras, dentro e fora, senão vira uma água parada.

14 – Seu próximo disco vai ser como?
Mano Brown: Quem sabe seja uma capa preta de novo, ou quem sabe nem seja mais disco, porque disco já virou uma prisão, a internet hoje é liberdade. Eu gosto muito desse formato que eu faço hoje, de terminar a música hoje e cantar amanhã, inédita, presentear quem tá na festa que as vezes não tem ninguém, só 30 manos. Eu vou lá e só canto música nova, é um presente. O nosso movimento virou um movimento jovem conservador, isso tem que mudar. Não pode ser. Eu lembro que o especial do Tupac mostra ele invadindo  uma reunião dos antigos, aqueles caras dos direitos civis dos anos 60, todo mundo estabelecido na vida, conservador e ele falou: “Vocês tem que parar com isso, vocês não estão vendo a rua, vocês estão atrás do balcão assinando documento, poucas mulheres não tem o marido do lado, poucas crianças tem pai e mãe dentro de casa, vocês ficam escrevendo leis, ditando regras e não estão vendo as pequenas coisas, as dificuldades da pessoas”. Esse é meu lance, ver as pequenas e as grandes coisas. Eu vejo os beco, as ruas, a favela, o condomínio. Eu vejo tudo! A vida como ela é, o coletivo e o individual.

15 – O que a gente pode esperar do novo disco?
Mano Brown: Surpresa. Vai ser surpreendente. O último, por exemplo, demorou três anos para ser entendido. Quando o disco saiu, a comunidade do hip-hop massacrou o nosso disco, falaram que era pop, que a gente tinha se vendido, isso e aquilo, mas a favela abraçou. Isso pra mim que é importante. Fizeram uma enquete na Galeria 24 de Maio sobre o que eles achavam do disco, companheiros de trabalho, do RAP, vieram a público criticar abertamente o disco, coisa que eu nunca fiz, dar a cabeça de um companheiro do RAP na bandeja pro sistema. Deram a minha cabeça pro sistema. Falaram que eu me vendi, que tava pop, que eu ia perder ibope. Que perder ibope? Quem quer ibope? Eu quero é tumultuar. Então, o que podem esperar pro próximo disco? Coração na ponta da chuteira, sempre, é o que vai ter no próximo disco.

16 – Teve muito comentário quando você soltou a música “Mulher Elétrica”. Essa música foi justamente para tumultuar e mostrar a nova visão do Brown?
Mano Brown: Não, não é a nova visão do Brown e não foi feita pra isso. Foi uma música feita livre, em um dia que tinha um grupo de companheiros trabalhando, a gente tava ouvindo música, pensando coisas a respeito e a música saiu natural. E era uma música referência a um som que a minha geração ouviu muito, que era uma música chamada Eletro Meire, da época do break, que a geração nova não conheceu e quando conheceu massacrou a música. Aí que eu discordo. Desde quando o cara que não conhece tem o direito de criticar, sem conhecer, sem saber? Sem ao menos perguntar primeiro. Não fiz para tumultuar. Essa música foi boicotada, disseram que a gente se vendeu, que o Racionais acabou. Adoro essa música, adoro “Marighella” também. Eu sou fã de Tupac. Quem conhece Tupac, vai saber que ele não seguia regra nenhuma, Bob Marley também não seguia, o James Brown também não seguia.

17 – “Cores e Valores” como que surgiu essa música?
Mano Brown: É um tema que eu já tinha. Eu já tinha esse nome na mente, que fala justamente das diferenças, cada um defende suas cores e cada cor tem seu valor. Isso engloba time de futebol, escola de samba, time de várzea, partido político, religião, etnia, é um trocadilho com várias coisas da vida. Fala do racismo, da política, fala de coisas fúteis também. Carro, aparência, porque você também vive em um mundo que tem coisas fúteis, coisa boba, champanhe. O que é que fica? Os valores, as coisas que tem por trás disso, o comportamento.

18 – Logo depois de “Mulher Elétrica” você lançou “Cores e Valores”. Em sua opinião, você acha que isso calou a boca de muita gente que havia criticado?
Mano Brown: Não, eu nem pensei nisso, porque eu encontro muita resistência com qualquer coisa que eu faça. Eu venho dos anos 80, no começo dessa onda toda. Eu vi nascer, eu vi muita gente nova vir e ficar velha, e eu tô aí. Coisa que era o auge da novidade já defasou, e eu to aí. Eu sempre fui um cara muito contestado, eu lembro que quando a gente lançou, “Escolha seu Caminho”, Negro Limitado, Voz Ativa, na sequência eu fiz o disco “Raio X do Brasil”, eu fui muito criticado por pessoas que eram estratégicas no movimento da época. Falaram que “Homem na Estrada” era isso, “Fim de Semana no Parque” era bairrista, a outra era racista, era isso e aquilo. Eu sempre lidei com contestação, eu nunca fiz o que era pra ser e no momento que era pra ser, eu fiz pra frente. O que está tendo agora é pouco, o que tem pra fazer tá pra frente, o que tá tendo agora é necessário. Plantar para mais pra frente colher. Eu sempre lidei com bastante contestação, nem sempre me dei bem. Tem certas atitudes que me irritam, me tiram do sério.

19 – E isso te influência, te impacta, como que você reage as críticas? Eu sou ser humano, eu tenho raiva, tenho neurose. Falar também que eu não ligo eu Mano Brown: : acho ruim. O que a gente aparenta ser é importante. E o que a gente é, é muito mais importante. Eu cheguei a ver um grupo de RAP que aparentava ser foda, três anos depois já não eram tão foda. O que aparenta ser também conta, não é só o que é. Infelizmente, a gente vive em um mundo de aparências também.

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20 – Era um grupo do RAP NACIONAL?
Mano Brown: : Não, eu tô falando do Run-DMC Quando eu vi os caras, o que é que eu vi primeiro? Não vi música, não vi nada. Vi roupas, as correntes, os negão, os pretos. Falei: “Porra mano!”. O que era preto no Brasil naquela época? Não era porra nenhuma, era estatistíca. Era Gil Gomes de manhã e Notícias Populares. Aí você vê um preto americano, vencedor, forte, que nem o Caetano Veloso falou: “O preto forte norte-americano”. Era aquilo que a gente via. A gente viu um preto forte, a gente queria ser forte também, a gente não tava contente com a situação que vivia aqui. Aquela coisa da aparência de todos que estavam dentro do RAP. Depois eu fui entender o que eles falavam. Por isso que eu falo, aquilo que aparenta ser, é importante. Os moleques olham pra gente e querem ver também alguma coisa.

21 – Qual é a melhor e pior coisa que você criou em sua carreira ao longo dessa caminhada?
Mano Brown: A pior coisa que eu criei foi esse estigma, que eu nem sei se eu criei, mas sou responsável, que até o RAP carrega certo estigma, acho que foi a pior coisa que eu criei, [Ser Radical?]Ignorante às vezes. Ter uma certa ignorância e uma cegueira também, eu não tolero algumas coisas. Eu sou da outra geração, então quando a gente criou o símbolo do Racionais, no final dos anos 80, era um outro mundo. A dívida externa não tinha sido paga. Não tinha eleito o Lula ainda, não tinha metrô no Capão, um monte de coisa não tinha acontecido, não tinha eleito um presidente negro nos EUA, o Barack Obama. O Brasil não tinha uma presidente mulher, não tinha nem asfalto em nossa quebrada. Quando criamos o Racionais, era um outro mundo, então não tem como você esticar o chiclete 25 anos falando das mesmas coisas como se elas não tivessem mudado. Seria mentira, ia tá maquiando uma realidade, que a nova geração está aí pra mostrar. Olha como a música da periferia diversificou, o RAP diversificou, nasceu o funk paulista, tem o estilo do Rio de Janeiro, tem o estilo do funk de São Paulo, que é um outro estilo,  inclusive hoje faz sucesso no Rio de Janeiro. Antes do RAP o Rio de Janeiro não conhecia São Paulo, não sabia que tinha favela em São Paulo. Isso eu ouço da boca deles lá, os caras achavam que em São Paulo todo mundo  comia pizza e era japonês. Então, de 88 pra cá são 24 anos, o mundo mudou muito, a música tem que acompanhar a mente do jovem, tem que ir até a massa, até a mente da massa.

22 – E o melhor, está por vir?
Mano Brown: O melhor foi algumas músicas que eu fiz e o que tá por vir. Tem algumas músicas que foram cantadas em enterro, foram cantadas em casamento, em batizado. Isso pra mim é uma honra. Racionais é esse grupo aí que as pessoas cantam no casamento, no nascimento e no enterro. Como que você classifica isso? Não sei.

23 – O que você acha dessa nova cena do RAP?
Mano Brown: Eu tô na nova cena, acho da hora, acho ótimo, ainda mais que eu faço parte dela. Eu sou novo, novo, novo, não tem ninguém mais novo do que eu, to aí pra tumultuar tudo de novo.

24 – Então, qual sua opinião sobre a cena atual do RAP?
Mano Brown: Acho uma cena sincera, diversificada. É necessário diversificar, é necessário que tenham vertentes, é necessário que os mais antigos entendam os mais jovens, acolham eles e interajam. Não fechar as portas como alguns antigos fizeram com a gente, porque choque de geração é uma coisa ultrapassada, tem que acabar com isso. A gente tem que entender os jovens, porque senão eles vão atropelar a gente. Ou entende ou será atropelado, porque o novo é o novo, tem o Velho Testamento, tem o Novo Testamento. Quem tentou embarrerar Jimi Hendrix se arrombou, quem tentou embarrerar Janis Joplin se arrombou, tentaram embarrerar James Brown em São Paulo, se arrombaram. Como é que embarrera o James Brown? Como é que você vai embarrerar o funk? Como é que embarrera o mar? Não tem como, é o novo, cabe aos mais experientes entender e interagir.

25 – Você tava falando do estigma, de ser durão e tal. Você já tentou ser o Mano Brown light?
Mano Brown: Eu sou um cara normal, por incrível que pareça. Aqui com os caras eu sou o palhaço, sou o cara que tá fazendo rir e tô rindo o tempo todo, mas quando é para falar sério eu sei falar sério. Houve momentos em que as pessoas quando me viam dar risada falavam: “Ô o cara tá rindo e tal”, como se eu fosse um bicho do zoológico. Eu sei que a gente vive querendo criar mito, criar celebridade, criar lenda, tá em época de desconstruir essas coisas. Eu preciso de companheiros, não de líderes. Preciso de parceiros, não de professores, tem que tá ombro a ombro, não acima da cabeça. [Precisamos de um líder negro de crédito popular] Isso aí em 90 [Não precisamos mais?] A informação faz você ser líder de si mesmo, a informação faz você ser líder, o líder de sua casa. Quem naquela época tinha 15 anos de idade hoje é um líder de uma casa com quatro, cinco filhos. Você é o seu líder. Nós, brasileiros, crescemos sem líderes, sem grandes líderes. Quem são os caras que levam o título? [Mano Brown] Eu não acho. [Não acha ou não quer?] Não acho. O Mano Brown é um louco. Você não deve seguir um louco. [Mais os loucos estão aqui para confundir os sábios,  né?] Eu desconfio de cara que quer ser líder. E você também tem que desconfiar. Eu desconfio de qualquer estrelismo. Por trás do estrelismo, tá escondendo alguma coisa.

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26 – O que é que os fãs, a juventude, o povo preto e pobre pode esperar do Mano Brown e do Racionais?
Mano Brown: Sinceridade e máximo respeito. Eu sou fã deles. A coisa que eu acho mais linda é quando subo no palco para cantar e vejo aquela massa colorida, negro e branco, a cara do Brasil. Eu sou fã deles, do jeito que eles se vestem. O que me revolta é quando vejo um preto pra baixo, isso me revolta.

27 – Qual é a ideia do videoclipe “Mente do Vilão”?
Mano Brown: A ideia era delatar o que tá acontecendo, passar a micha do que tá sendo feito. Algumas ideias que nós temos teriam que ser mesmo restritas, coisas políticas, debatidas, fechadas. Coisas do nosso movimento como coletivo. Como um companheiro meu vai a público e fala que o Mano Brown é isso e aquilo? Ele tá caguetando, como se os caras quisessem tirar de mim uma informação que eu não vou passar. Ali é uma alusão a várias situações. O que é que vocês vão fazer? Aonde os caras tão? Tão fazendo o que?  O que é que vocês estão pensando? Qual a propostado plano? Eu não vou falar, essa é a ideia. 

28 –  Já sabe qual será o  próximo videoclipe?
Mano Brown: Tem duas músicas que eu quero fazer. Acho que virá no contexto da continuação do que nós estamos fazendo, apesar de que Mente do Vilão” e “Marighella” são assuntos distintos, mas que em determinados momentos são paralelos. Mesmo que devido a época de vida de Marighella e a época em que a gente vive hoje, tem um espaço de 43 anos, o paralelo é distante. [De qual música você quer fazer?] “Amor Distante”, que fala de assuntos humanos do gueto. São ações humanas, a dificuldade do homem, as nossas relações pela própria vida que a gente tem, a forma que a gente é visto pelo sistema, a forma que a gente vê o sistema, a forma que a mulher da gente vê a gente, a forma que a gente vê a nossa mulher, a forma que vivemos o nosso relacionamento. Pela posição que ocupamos estamos na rua o tempo todo e às vezes se doa muito mais pra rua do que para a família, que inclusive tem muito a ver com o rapper, não com o Brown, mas com o rappers em geral. O cara que vive muito mais a rua, vive os amigos, vive a causa, vive a revolução e às vezes a família fica ali e a mulher não entende isso, que a revolução muitas vezes para a mulher é você tá ali com a família. É a revolução dela, pra nós não, é ganhar o mundo. A gente tem esse lance de querer ganhar o mundo, provar para a mulher que você vai, vai buscar e vai trazer, a gente tem sempre uma mulher que você quer provar pra ela, ou uma mãe, a gente tá sempre querendo provar alguma coisa para alguma mulher. Essa música fala disso. Tem um arrependimento, um erro que você já cometeu, às vezes não tem como você voltar atrás e corrigir. Eu penso nos outros caras, penso na gente o tempo todo,  no debate de qualquer ideia. É o gueto, do gueto pro mundo.

29 – Você já tem ideia de como será o clipe,?
Mano Brown: Hoje em dia eu estou deixando mais a critério dos especialistas desenvolverem o enredo. Eu faço o rap, ajudo a fazer a batida, o arranjo e deixo o critério do clipe com o especialista do clipe, com o cara que é profissional nisso. Eu já fiz tudo sozinho também, hoje em dia eu prefiro interagir com outros talentos, outras mentalidades que vão somar com o meu trabalho.

30 – O que o Capão Redondo significa na sua vida?   Aqui a gente respira rap, né cara?
Mano Brown: : E foi o lugar mais difícil para o RAP entrar. O Racionais nasceu aqui, o Blue e o Brown são daqui. O Edi Rock e o Kl Jay são da norte. Na época em que o Racionais nasceu, aqui na zona sul tava tendo problema com grupo de extermínio. A cultura negra estava sendo bombardeada. Os negros daqui eram marginalizados, muito mais que no outro lado, até pelo fato das escolas de samba serem todas lá. Pelo formato que São Paulo foi desenvolvido a comunidade negra foi pra lá. Aqui o preconceito foi muito forte e quando o Racionais começou tivemos que buscar força lá. Então,  não posso desprezar Tucuruvi, zona leste e Taipas, que me acolheram bem demais. O Capão foi o último lugar que nos acolheu. Vê que barato, santo de casa não faz milagre, né! Nem tudo são flores, nós lutamos muito para essa cultura ser reconhecida aqui dentro da nossa casa  e sabemos  que a fronteira é bem frágil. É lógico que muita coisa tá aqui na zona sul mesmo, no Capão, porque a gente é insistente.

31 – Muito cara do RAP acha que acabou a parte social do RAP, acabou o protesto. R.A.P. não é a Revolução Através das Palavras? Você que apóia alguns projetos sociais, sabemos que nem gosta muito de falar sobre isso, conta um pouco sobre os projetos aqui no Capão Redondo.
Mano Brown: A maior revolução que foi feita aqui, e não foi feita por uma ou duas pessoas só, porque a revolução ou ela é do povo ou ela não é de ninguém, e o que eu sempre quis é que as pessoas assumissem as responsabilidades delas. As pessoas ficam falando “o Brown é líder, é isso, é aquilo”, o Brown não pode é ficar sozinho, ilhado, tentando uma causa loka. O que me deixa mais feliz é ver os caras que tão comigo, a família toda. Fundão é uma família, o Rosana Bronx é uma família, Morro do Piolho… São famílias que criaram esse trabalho social que não é de um cantor de RAP ou de um político, é de um coletivo. Os caras abraçaram a ideia porque eles entenderam a ideia e essa é a maior glória. É lógico que por eu ser o mais velho no RAP do Capão, eu puxei esse bonde, mais eu não fui sozinho, porque sozinho ninguém consegue nada. Se a comunidade não vem com você, sem chance. O maior desafio era convencer as pessoas que essa causa não era de uma pessoa só, nem de um movimento só. Eeu não acho que o RAP tem que ser o único movimento social político, o samba tem que ser, o funk tem que ser, o forró tem que ser, porque o povo é o povo, a causa é de todos os brasileiros. Aí é que eu entro no assunto do estigma, porque que o RAP tem que falar de assunto a, b e c e os outros falam de tudo? Que tira proveito de tudo e praticamente usufrui de tudo, e o RAP não usufrui quase nada. Usufrui da fama e do estigma. Não acho certo isso. Agora, abandonar a ideia é uma coisa que eu também não apoio não. O RAP é a música da liberdade, você não pode empurrar na boca da juventude o que é que eles tem que falar, senão eles vão pular o muro da escola e vão embora. É liberdade para falar da política, da revolução e não virar uma coisa imposta, senão o moleque rebelde pula o muro e vai embora, ele não vai ficar preso em uma cerca ideológica, ele vai procurar outra ideologia, outras ideias, que na verdade são infinitas. A revolução é infinita.

32 – Qual sua opinião sobre os rappers que saem candidatos e essa relação rappers e políticos?
Mano Brown: Eu vejo com bons olhos. Primeiro, que realmente tem mentes pensantes hoje no Brasil que podem fazer a diferença na política, não só como cantor, mas como cidadão, como formador de opinião. Nosso movimento vem se inclinando muito pela ideia, pela pesquisa, pela antropologia, pela negação da escola e essas ideias vem à tona com o RAP. Então essas pessoas tem ideias diferenciadas a serem passadas, uma visão diferenciada, a exemplo do Barack Obama. Qual que era a grande importância do Obama? Ele ser preto? Também, mas o diferencial dele é ele ter morado no Quênia, é ele ter um passado de terceiro mundo, que vai fazer ele como presidente do EUA enxergar o mundo diferente, não como aquele cara branco de família tradicional, que estudou na faculdade, que chegou no meio tradicional e que virou presidente como vários fizeram. Obama não. Ele tem um passado na África e no Vietnã. É de origem árabe, tem pai queniano e a mãe negra. A história de vida do pai servirá para o mundo, não só para os negros. Ele não vai ver o preto, o índio ou oriental como inferiores, vai humanizar. Esse diferencial de ideias dos caras do RAP que estão se candidatado vai ser muito importante para o Brasil e a tendência é aumentar o número de candidatos, porque o RAP é um berço político também, de ideias novas, não de politicagem, de projetos novos. Uma visão nova, a visão do povo, o povo pelo povo, não de aristocrata pelo coitado, o patrão e o empregado não, é o empregado que vai falar do outro empregado, que sabe da vida do povo, das pequenas e grandes coisas. É aí que o RAP tem que fazer a diferença. [Você sairia como candidato?] Não, não porque eu sou louco, tem que ser um cara mais centrado. [Por que você se define como louco?] Sou um cara bipolar, um dia acordo de um jeito e outro dia acordo do outro. Não sou um cara em quem podem confiar muito como político, como rapper talvez.

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33 – A música e o videoclipe Mil Faces de Um Homem Leal (Marighella) o que significa pra você?
Mano Brown: O lance de resgatar a figura do homem Marighella é importantíssimo. Ele foi escondido do conhecimento do povo por ser quem ele era, pelas ideias que ele tinha. Eram ideias muito firmes. Zumbi, que viveu no século XVII no Brasil, era a única referência de um herói, de um brasileiro negro. Hoje, você tem o Marighella, que é um cara que morreu nos anos 60, então um cara muito mais próximo. Tudo que tem na esquerda hoje veio das ideias dele, desde os radicais até o mais velhos, desde o PCC até o Comando Vermelho, o PT, tudo isso tem a mão do Marighella. Quando criminosos comuns foram para a prisão de Ilha Grande encontraram estudantes seguidores de Marighella e lá nasceu a Falange Vermelha. Os favelados se uniram, os analfabetos aprenderam sobre estratégia e política com os seguidores de Marighella. O que o ele pregava? Que o povo se armasse para lutar pelos direitos, mas a gente sabe que historicamente o brasileiro é alienado, o povo não é acostumado com grandes guerras. Acredito que tudo que tem hoje que pode se chamar de esquerda vem do Marighella. Era um cara que nem eu conhecia.

34 – Você conheceu a luta dele quando recebeu o convite?
Mano Brown: Não, conheci um pouco antes, mas como a vida é muito corrida, a gente vive em uma época muito mais rápida e de desconstrução de mitos. Na minha opinião, a gente vive nessa época, e Marighella é um mito, e também não tenho autoridade máxima para falar disso. Eu fui convidado para fazer uma música para o filme e fazer uma música sobre Marighella foi um presente que eu ganhei. 

35 – Rola uma identificação sua com a figura do Marighella?
Mano Brown: Sim, Racionais com certeza é a continuação das ideias de Marighella, mesmo sem ter conhecido ou convivido com ele na época. [ Você continua afirmando que ele foi um personagem pesado para você?]  Pesado! Aconteceu muita coisa durante esse processo e continua acontecendo. Cara pesadão, em todos os sentidos.

36 – Malcom X, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares, são líderes que nós e uma geração inteira conheceu apresentado por você. Hoje uma nova geração tem oportunidade de conhecer Marighella também apresentado por você. Como você conheceu esses personagens?
Mano Brown: Através do RAP. Zumbi a gente ouvia falar levemente através dos livros de escola. No livro ele era colocado como o único personagem herói negro. Os outros, conheci devido ao Public Enemy. Quando a gente começou a se interessar pela cultura do RAP, começaram  a chegar as primeiras reportagens do Public Enemy no Brasil, onde ele falava de Malcom X. Fui procurar saber quem era e na época não tinha nem pra vender o livro, peguei emprestado e quando eu li minha mente pirou. Aí muita coisa que tinha ao meu redor, que eu não entendia, passei a entender. Até coisas da minha vida mesmo, passei a me conhecer melhor através do Malcom. O que ele falava no livro tinha muito a ver comigo, a raiz da minha vida, da minha mãe, da minha família lá atrás que a gente não conhecia e nem procurava mexer nisso, porque era muito sofrido. O Malcom foi o cara que explicou um pouco dos excessos, das faltas. Tudo que ele falou eu vivi, eu sei como é que é isso.

37 – Qual a diferença entre o Marighella e o Marcola?
Mano Brown: Marcola é a continuação de Marighella. Talvez ele saiba disso, talvez os que sigam ele não, mas talvez eles saibam. Para chegar onde ele chegou, ele deve conhecer muito, ele deve ter lido muito. Não conheço a pessoa dele, mas acho que em algum momento ele deve ter passado por Marighella. O Marcola é um cara intocável hoje, ele tem autoridade. O Marighella morreu por um acaso, sozinho. A diferença deles é a forma de operar o poder. São personalidades históricas, com certeza, por mais que o sistema e a sociedade se ofendam. [Com os três né? Com você também?]  Eu menos. Mas eu tô na rua, um morto e outro tá preso. Eu não tô fazendo paralelo nenhum aos dois, o único paralelo é em relação a sociedade se ofender com cada um desses personagens. O Marcola luta com as armas que ele tem, que são os soldados dele e a organização que ele montou. A forma que a organização dele arrecada o dinheiro, a forma que o Marighella arrecadava. O Marighella nunca teve nada e morreu pobre. O Marcola tá intocável, ele tem um exército.

38 – Como seria Mano Brown sem a música?
Mano Brown: Não seria Mano Brown né?! Seria o Pedro Paulo. Não tinha o que comer, tinha dificuldade pra arrumar um emprego, e de me relacionar com o patrão. Várias dificuldades… Através do rap eu comecei a compreender algumas dificuldades que eu tinha na vida, através do rap eu compreendi, sem o rap eu não entenderia, seria um louco, um rebelde sem uma causa justa.

39 – Quando o Mano Brown está a postos, o que acontece com o Pedro Paulo?
Mano Brown: Eu nunca consegui separar um do outro. Eu vivo o Mano Brown todo dia, não tem como separar uma coisa da outra. Talvez só dentro da minha casa que não, mas as pessoas me vêem como Mano Brown, então é também o que a gente aparenta ser, como falei no começo. Eu sou o que eu sou, mas o que aparento ser também é importante. O Mano Brown tem que tá sempre bem, disposto, o Pedro Paulo nem sempre tá disposto. [E quando o Mano Brown tá disposto, tem voz ativa, o que acontece com o Pedro Paulo?] Tumultuo. O Mano Brown inspirado deixa até o Pedro Paulo assustado.

40 – E quando você percebeu que é esse monstro para compor? Esse monstro da música?
Mano Brown: Eu não sei se eu sou monstro, a ideia é monstruosa, por não ser só minha! Quando a ideia é coletiva se torna monstro. Isso eu falava lá no começo para o Kl Jay. A ideia é monstra, a necessidade é monstra, o problema é monstro, a gente não, nós somos carne e isso é frágil.

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41 – Quando você se deu conta que você é catalisador dessa energia toda? Monstra!
Mano Brown: Não me dei conta disso. Eu sou muito errado nessa causa, em momento nenhum eu acho que eu sou isso ou aquilo, eu sou mais um de uma causa. A causa é maior que nós. Quem se coloca a frente da causa se arromba. Tem gente que me vê maior que eu sou, é o lance da aparência. Eles pensam que eu sou ou querem que eu seja uma coisa do tamanho que eles pensam.

42 – Você é considerado um dos maiores compositores que o Brasil já ouviu. Como você explica tanto talento?
Mano Brown: Necessidade, sobrevivência. Precisava sobreviver, estudei pouco, não tenho uma profissão definida. Era isso ou partir para o crime, virar estatística. Isso aí eu ‘peguei com as dez’. Eu nunca tive pai pra me defender e nem irmão. Fui criado na rua e tive que me defender sozinho, fui para colégio interno, conheço as dificuldades. Eu sei o que é fome, sei o que é humilhação, sei o que é racismo, sei o que é injustiça, eu sei.

43 – E como você se tornou um dos maiores talentos da música brasileira?
Mano Brown: Eu não sei se sou esse talento todo. Foi muita luta. Eu vejo muita gente talentosa também e às vezes não tão reconhecida. Eu sou um cara insistente, lutador. Se eu tiver em uma reunião com você e você perguntar minha ideia, eu vou lutar para convencer você pela minha ideia, eu vou trazer 300 argumentos para você acreditar na minha ideia. Têm pessoas que não tem tanta disposição, tem uma ótima ideia mas não tem essa resistência, essa força de convencer, que é um lance de necessidade. Eu tinha que convencer as pessoas que a minha ideia prestava, senão eu ia ser barrado, porque não tem meia ideia, ou é uma ideia ou não é. O rap precisa da força. Três minutos de ideia é ideia pra caralho, imagina onze, sete minutos? É o lance que o Edi Rock e o Kl Jay falam, o Brown é o cara que fala, eles me colocaram para eu ser o cara para falar, porque eu penso muito, tô sempre falando. Eles pensam igual a mim, mas eu falo mais que eles. Eu sou aquele cara de por a ideia, de tentar convencer, porque eu tenho que convencer a pessoa pra vir comigo na ideia. Talvez essa seja a diferença, tem outros rappers aí talentosos também, mais talvez com menos força, menos resistência.

44 – Você é generoso?
Mano Brown: Eu sou ser humano. Às vezes sim, às vezes não, com quem merece.

45 – Você faz rap Gangsta?
Mano Brown: Perigoso por rotulo né?! Mas se for para escolher um é esse que eu gosto, Gangsta, mas o rotulo é perigoso.

46 – Como está o seu envolvimento com a mídia?
Mano Brown: Sempre teve assédio. Até nos momentos em que a gente estava silencioso causava curiosidade em algumas pessoas da mídia. Apesar de eu estar mais experiente, eu continuou não acreditando na mídia, porque eu sei que eu posso virar um produto, uma coisa enlatada, uma moda. Se eu não me posicionar certo, também viro moda, posso virar uma coisa descartável pela mídia. Por mais que a gente viva um momento de desconstruir mitos, o Brasil vive querendo construir celebridades, querendo construir mitos. É talvez uma forma de jogar areia no olho do povo, toda hora lança uma celebridade nova. Eu estou na condição real, eu estou na condição de trabalhador da causa, não embaixador. Teve um momento que os caras foram se reunir com o presidente Lula, que é um presidente eleito por nós, mas eu não quis ir, achava que eu tinha que me resguardar mesmo, ser a carta. Eu não quero ofender os que foram, mas eu acho perigoso qualquer movimento de esquerda estar ao lado do presidente, tem que tá do lado do povo. Uma vez eleito ele é poder, e poder é poder. Poder exerce poder, então eu acho que não é o papel do rap estar ao lado do presidente, e sim nos unir. Tem que tá lá pra contestar o presidente, tem que ta lá ao lado do povo. Não é uma posição covarde não, mas é uma posição estratégica. Meu lugar é a rua, não é ao lado do presidente.

47 – Você considera uma triste coincidência os incêndios nas favelas de São Paulo?
Mano Brown: Esse lance de incêndio em favela sempre teve em São Paulo, em todas as épocas. Toda favela que é situada em uma região que tem uma especulação imobiliária muito pesada, tem incêndio. Sempre teve isso. Aquela favela do aeroporto, que hoje chama Canão, sofria muito incêndio. Era uma favela gigantesca, cruzava quatro avenidas, vinha da Marginal até a Vila Santa Catarina. É lógico que tem muita especulação, tem gente querendo construir coisas lá, é uma maneira de obrigar o governo a remover aquelas pessoas, mas há possibilidades de acidentes também. É um lance até meio delicado de falar porque eu não tenho direito de falar sem causa, falar o que pode ter sido, é perigoso. Eu posso vender sensacionalismo pros caras, mas o metro quadrado mais caro da America Latina é aqui, eles não querem favelas em lugares centrais, estratégicos para o governo, para os turistas, principalmente porque o Brasil cada vez mais está querendo ser um ponto de referência pros estrangeiros. Eles não querem que a favela seja vista, pobreza de mentalidade que não conseguem entender que aquelas pessoas tem que ter lugar para morar, são trabalhadores, gente que sua. Não é só a pobreza da favela não, é pobreza de mentalidade. Não acredito em coincidência não, eu acho que algumas coisas acontecem realmente para mudar o curso da água.

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48 – Num debate em 2006 você afirmou que o rap, assim como Cuba, estava embargado. Hoje com apresentações como o Loolapalloza e o VMB. Podemos dizer que o embargo acabou?
Mano Brown: Se Cuba tivesse aberto as pernas para o McDonald’s, para as coisas que os americanos queriam, estaria inclusa no mundo moderno. Eles não aceitaram e agora aos poucos estão abrindo. O rap, pelo posicionamento político de não querer certas coisas, foi embargado sim. Tivemos que, de alguma forma, entender a nova realidade que o rap tá para poder estar nesses espaços que foram, entre aspas, abertos. Porque o Racionais, mesmo naquela época, era chamado para esses eventos grandiosos. Na minha consideração, aquele evento é tão grandioso quanto o 100% Favela. Agora, para a grande mídia, e para os símbolos, qual que é o símbolo? Tocando em um evento grande, os caras e pá, mas não é um grande evento, é só um show. Também tem um pouco de preconceito nisso aí, de achar que lá é foda. É foda por quê? Aqui também é foda. Então, qual era o lance ali? Ocupar um lugar onde, naquele momento, o rap como movimento, precisava estar ali, ou o Racionais, ou o Facção, ou o Realidade, ou o Dexter. Alguém tinha que estar lá, até para a sobrevivência do barato, como estilo, como gênero. Não ficar de fora desse novo momento e estar lá de igual, não como pedinte, não como serviço social, estar lá de igual com os caras do tamanho que é a periferia de São Paulo. O Racionais tava lá do tamanho que a favela é, pesadão, sem maquiagem. Escolhemos um palco alternativo, não quisemos cantar no palco principal, para estar ao lado das bandas que estavam começando. Não queriamos estar onde estavam as bandas consagradas. Não fomos lá para provar nada, fomos  para pegar o dinheiro e marcar território. Acabou sendo um movimento gigante. Nosso movimento é gigante, tanto numérico e simbólico. A causa é gigante, a massa que acompanha o rap é gigante, a gente tinha que tá lá, mas o embargo não acabou não.

49 – Qual a estratégia a ser adotada pelo rap, nesse novo cenário? Ou nada mudou?
Mano Brown: Os anos passaram, acho que isso foi o que mudou, e pra eles fica sem explicação não ter um grupo de rap lá. Como é que eles vão explicar mais um evento sem rap? O Rock in Rio também chamou o Racionais, esse eu não quis ir, era simbólico também, mas no momento não era importante, não era aquilo que eu queria, não iria fazer a diferença. O Loolapallooza foi mais…

50 – Você já recusou a participação em eventos, programas de TV e reportagens em algumas emissoras. Porque você concordou em dar está entrevista pra nós da Revista Rap Nacional?
Mano Brown: Por motivos óbvios. Mas eu podia também ter falado não se o posicionamento de vocês na caminhada não fosse certo. É lógico que eu ia olhar com mais carinho, mas se eu não achasse o posicionamento da revista bom eu não faria. Eu considero a Revista Rap Nacional uma mídia competente, se não for competente pode fazer estrago, até porque vocês estão lidando direto com a minha rapaziada. A nossa né?! Na minha visão estamos na mesma caminhada, na mesma luta e por isso eu aceitei. Agora, se vocês tivessem outra direção, eu não aceitaria. Vocês tem qualidade, por isso que eu aceitei e por acreditar que vocês podem chegar ainda mais alto.

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51 – A polícia continua violenta? 

Mano Brown: Tá cada vez mais violenta, mais prepotente, mais arrogante. E com o governo do Kassab e Alckmin juntos, muito mais. Cada vez mais desrespeitosa, descumpridoras da lei. Estão criando cada vez mais leis próprias, paralelas, eles tem código próprio, o código do dia, o código da noite. O governo que nós temos na cidade e estado de São Paulo dá esse aval pra eles, essa autoridade pra descumprirem as leis da forma que eles quiserem. 

52 – E quando você é parado em uma blitz, em uma geral, eles te reconhecem, tem um tratamento pior, ou falam não vamos pegar mais leve porque ele é o porta voz?
Mano Brown: Eu tenho que tomar cuidado. Eu tomo cuidado, não posso dizer que é isso ou aquilo, porque eu encontro dentro da PM cara que queria um autógrafo e cara que queria me matar na hora. Se pudesse me mataria na hora. Uma vez eu fui enquadrado pela Rota e o cara falou assim pra mim: “Eu não gosto de você, não gosto de sua música, mas o meu filho, se eu não comprar o CD pra ele, eu não entro nem em casa”. Aí teve outro que falou pra mim: “Raça do caralho é a puta que te pariu” e eu falei: “Tem 20 anos isso aí” e ele respondeu que o filho dele tem 21 e há 20 anos ele convive com isso”. O filho dele cobrando ele? Há pouco tempo eu fui abordado por dois policias negros, a gente conversou meia hora sobre raça, polícia, racismo. Os caras me cumprimentaram e mandaram eu ir embora, na madrugada.

53 – Você acredita que a morte que rondou os evento de rap, hoje aterroriza os MC’s de funk, ou isso não tem nada a ver
Mano Brown: Só que agora eles estão direto na fonte, no emissor da ideia. Antigamente, eles atacavam alguém ao redor do show, agora estão atacando o próprio cantor, até pela própria falta de proteção que eles têm. Agora é acordar que eles estão desprotegidos, falar o que eles falam sem proteção nenhuma é falta de inteligência. Eu tenho um convívio com os caras do funk, eu falo: “Cara, você tem que andar com advogado, com um batedor na frente e outro atrás. Quem fala o que você fala, quer a liberdade que você quer, não pode andar desprotegido”. Como o Racionais também não pode andar desprotegido. É visão militar, infelizmente é guerra, é rua, você tá na noite, tá sozinho, desprotegido.

54 – Mas você vê relação entre a coisa que rondava o show de rap e de repente foi parar no funk?
Mano Brown: Claro, é o mesmo povo, é a mesma cor. Eles não estão diferenciando se canta funk, rap ou samba. É favelado falando, eles não gostam. [Existe a possibilidade de em algum momento esse favelado falando [o funkeiro] ter sido legal e bacana? Porque de repente esvazia o show de rap, e agora não vale mais a pena porque tem mobilizado muita gente. Naquele momento, valia a pena embarrerar no show de rap, agora vale a pena embarrerar no funk. Ou não? Não tem toda essa inteligência, é uma coisa maquiavélica?]
Mano Brown: Essa inteligência existe e ela é maquiavélica também. O errado é os que não são do funk não protestar pelos os que são do funk. Tem que protestar por eles e eu já ando falando em alguns lugares também. A gente sabe que na verdade ali é racismo puro, isso é racismo puro, porque nos anos 80 o rock falou o que quis e pregou o sexo abertamente.

55 –  O que a existência do Sabotage representou para o rap?
Mano Brown: O Sabotage era um rapper carinhoso, ele é o rap. Uma vez, a gente conversando, eu falei em tom de brincadeira, eu escrevo rap, o Edi Rock canta rap e o Blue é o rap, eu acho que Sabotage é o rap. Ele era o rap de carne e osso. A minha definição é essa.

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56 – Como vocês se conheceram?
Mano Brown: Conheci ele namorando uma mina que eu namorei na  adolescência. Isso em 88, na Vai Vai. [Assim que você viu ele, você já sabia que ele ia tinha talento, que ele era um rapper?] Não, ele se afastou do rap durante um tempo, foi viver as coisas dele. Quando voltou, através do Rappin Hood e do Helião, é lógico que a gente reparou nele, a gente viu o diferencial logo, rápido. A primeira vez que o cara se expressa você percebe que o cara é diferenciado e com o tempo ele foi melhorando, foi pegando a fama, virou um mito. E eu acreditei porque é um cara apadrinhado pelo Helião, que é um conhecedor. Depois que ficou pronto eu tive certeza que eu acertei, que eu tinha acertado.

56 – O que nunca te perguntaram em uma entrevista e você gostaria de falar, ou algum tema que você gosta de falar e nunca te perguntam
Mano Brown: Últimamente não. Não me perguntavam muito sobre música. De uns dias pra cá, até que perguntam um pouco. Eu achava que o rap deixava a música de lado, e eu achava errado isso. Temos que começar pela música, a revolução através da música.

57- Qual o seu sonho?
Mano Brown: Meu sonho é coletivo, agora se eu descolar uma casa no meio do mato para ouvir um som e pá, é um sonho nem tão distante que eu gostaria de realizar. Mas a maioria dos meus sonhos são coletivo, o que eu quero é difícil, eu quero pra muita gente.

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