Leia aqui um conto inédito do próximo livro do Ferréz
O homem que perdeu seu nome.
Ele arrasta a perna como alguns arrastam a vida.
Vende. Não. Leva na mão cintos de couro.
Sabe que o que vai no próprio coro tem mais furos.
Para no bar, 51 ou Velho Barreiro?
O médico do posto disse que não podia.
O que aquela cara branca azeda sabe de não poder? De não ter?
O que lê sabe de durante tantos anos vender algodão doce, com dinheiro falso pendurado, com bexiga do lado, com criança jogando pedra, andar em tantas vielas.
De ninguém te ver?
Cinto de couro seu moço?
Dinheiro não cabe no bolso, mas esse ai morre é com ele e com o desgosto.
Mucho, seco pelo sol, encruado.
Balançando pela boa idéia.
Arrastando aquela porra de perna.
Tem que trocar a faixa todo dia?
O que aquela vaca que não me marca a operação sabe de ser assim? De tá assim todo dia?
A pensão tem varejeira.
A dona joga criolina.
Não aguento mais aquela morrinha, esse homi só dormi de cueca?
E aquela perna?
O que é isso, tá podre, azeda.
No Piauí us muleque mijava na ferida, aqui na cidade lhe mijam na vida.
A cara sorridente do candidato no poste lhe dá nojo.
Mas ele não pode vomitar.
Não é um lampejo de esperança, é que não tem nada na barriga, e se vomita a pinga, vai ter que encarar o dia assim, são.
Lateja a desgraçada da perna.
Pode ser Leão do Norte?
Cachaça amarga.
Pode.
Trocar todo dia a faixa.
Vendeu um cinto.
Era magrinho o menino.
Ia procurar serviço na segunda.
Então hoje é domingo.
Pode ser um bombeirinho?
Uma cajibrina.
Pra mudar essa lida.
Pra deixar de ver o que me dói as vista.
Não era assim onde antes eu existia.
Uma moça tão bonita.
As rua tão cinza.
Ela colorida.
Lateja a desgraçada da perna.
Um homem passa e joga uma moeda.
Sô mendigo não seu filho da puta!
O sol faz fechar os zói.
Balbucia mais ninguém nem ai.
Então hoje era domingo.
Chegou meu dia.
Uma criança olha o homem caído.
Em volta de cintos.
O pai puxa o filho.
Vem, essa cidade tá cheia de nordestino.
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