Cultura na Restinga: Hip Hop que leva o nome do bairro

Em uma região distante do centro de Porto Alegre, não existem salas de cinema, mas há cineastas. Não há teatro, mas se multiplicam atores e dançarinos. Se faltam casas de espetáculo, sobram músicos e artistas em busca de público.
Vindos de um cantão da Capital quase sempre lembrado pela pobreza e pela violência, lutam contra a falta de estrutura para serem reconhecidos pelo talento – muitas vezes, contrariando opiniões de que se devotar à cultura em meio à carência é “coisa de vagabundo”. Se é difícil fazer arte no centro cultural e financeiro da cidade, é um milagre na Restinga.

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Os integrantes de um grupo de danças urbanas da Restinga se preparavam para uma apresentação em Porto Alegre, há alguns anos, quando chegaram ao camarim que dividiriam com outros dançarinos de vários lugares da cidade. Para surpresa da trupe, a sala que deveria estar repleta de gente se encontrava às moscas.

Não se tratava de um privilégio concedido aos jovens da periferia: os outros artistas haviam debandado por medo de compartilhar o espaço com os garotos do bairro mal-afamado e deixar roupas e objetos de valor ao alcance deles.

– Às vezes, não dividiam o camarim com a gente. Alguns diziam coisas como “Ih, são da Restinga, toma cuidado que deve ser tudo ladrão” – lamenta Julio César de Oliveira, 28 anos, mais conhecido como B-boy Julinho (o “B” vem de break, referência ao estilo de dança que os adeptos costumam incluir em seus nomes artísticos).

Em vez de abaixar a cabeça e esconder sua origem, a turma decidiu ostentar a Restinga no nome do grupo e fazer da arte e da educação um meio de divulgar as coisas boas do lugar onde vivem. Além de se apresentarem dentro e fora da Capital, os integrantes do Restinga Crew oferecem oficinas gratuitas de break no ginásio do Centro de Comunidade da Restinga (Cecores) e em uma escola pública do bairro.

A persistência deu tão certo que, no ano passado, o grupo foi consagrado em primeiro lugar na categoria Destaque em Danças Urbanas do Prêmio Açorianos. O vínculo do hip hop com a educação garantiu ainda um prêmio Açorianos a outro conjunto da região em 2012, quando o projeto Trabalhos Socioeducativos do Hip Hop também foi destacado pela iniciativa de difusão na área.

A precariedade na educação é um dos pontos que ainda distanciam, além da geografia, a Restinga do resto da cidade. A proporção de analfabetos é 77% maior no bairro da Zona Sul do que na média geral de Porto Alegre.

A vocação social do hip hop ajuda a garantir um futuro para moradores como Cassemiro Oliveira, 20 anos, do Restinga Crew. Ele conheceu o grupo aos 14 anos, quando passava os dias em uma instituição para crianças em situação de vulnerabilidade.

– A dança me ajudou a ir para o caminho certo – afirma.

Outra estratégia de resistência contra o preconceito e a falta de oportunidade entre os artistas do bairro é o trabalho colaborativo. No ano passado, o Restinga Crew se apresentou com a banda Efeito Coringa no Teatro Renascença, que mantém parceria com outros músicos da vizinhança, como o rapper Rael Real _ autor de uma música sobre a vida no bairro chamada Sem Falsidade.

– Todo mundo se ajuda, até porque é muito difícil conseguir reconhecimento dentro do próprio bairro – conta Rael.

Apesar de todas as dificuldades, o Restinga Crew vai celebrar, dia 17 de novembro, sua primeira década de existência com um dia repleto de eventos na Casa de Cultura Mario Quintana, em pleno centro da Capital. Serão oferecidas oficinas de dança e apresentados shows de músicos parceiros. Um passo e tanto para o grupo que assumiu como missão eliminar o preconceito contra o bairro que leva no coração e no nome.

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO

> Taxa de analfabetismo (2010):
Porto Alegre 2,27%
Restinga 4,03%

> Analfabetismo funcional (lê, mas não interpreta textos, 2000):
Porto Alegre 12,05%
Restinga 20,52%

> Aprovação no Ensino Fundamental (2011):
Porto Alegre 82,25%
Restinga 79,95%
Fontes: IBGE/ObservaPOA (2010)/Zero Hora

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